Apostas para 2012 – Tumblr no crescendo da Web Imediata
Confesso que quando estou fixado num tema, é muito difícil eu conseguir escrever ou pensar noutro. A minha mais recente fixação é o imediato – como no meu artigo mais recente disse, toda a capacidade / necessidade de declararmos as nossas necessidades e vontades nas Redes Sociais provoca-me uma irrequietação que só me lembro de sentir quando comecei a utilizar o mIRC. Há algo de novo, recheado de adrenalina, que assenta sobre a vontade de decifrar o motivo e a própria utilização que os utilizadores estão a dar às ferramentas que lhes estão a ser colocadas à disposição. Estou para escrever sobre este tema desde o ínicio do ano, mas confesso não ter tido o ângulo nem a visão correcta para o agarrar – mas hoje senti-me com coragem e com pelo menos as bases para o fazer.
Antes de entrar no tema que me fez escrever hoje, quero dar um passo atrás. É interessante observar o surgimento de ferramentas online e, acima de tudo, a sua mutação advinda da utilização da mesma. As ferramentas de publishing que têm surgido ao longo do tempo da 2.0 nascem com uma natureza aberta – o potencial da sua utilização é apenas limitado à forma como cada utilizador pretende utilizar a sua conta.
Contemplemos o caso dos Blogs ou do Twitter – são plataformas com um principio muito simples de liberdade de expressão adaptada à forma e conteúdo de cada utilizador e limitadas nas regras impostas pelas ferramentas.
No entanto, por um lado os blogs ganharam, com o tempo, uma natureza mais pesada, séria e densa onde os autores que pretendem expor as suas composições e pensamentos podem fazê-lo de uma forma mais completa e exclusiva. Os blogs perdem cada vez mais a lógica amadora pois as Redes Sociais roubaram a fatia de casual bloggers para dentro da sua teia. Desta forma, uma mão invisível faz com que quem é blogger actualmente tenha uma forma completamente diferente de postar e expor conteúdo do que o blogger original.
Por outro lado, se olharmos para o Twitter, este veio simplesmente a perder a lógica de “What are you doing” para “What do you want to share?”. Cada vez mais visto como uma ferramenta de social bookmarking e menos uma ferramenta de microblogging, o Twitter também tornou-se uma ferramenta que se adaptou e transformou com a utilização que os próprios utilizadores lhes deram.
Isto leva-me ao tema que realmente quis tocar – o Tumblr. O Tumblr é uma plataforma de microblogging que se intitula como simples e directa. Tal como os teus antecessores, nasce com uma lógica de utilização livre e com um território vasto por explorar. Esta plataforma existe desde 2007 – não é de todo nova nos EUA e já conta com uma vasta adesão por parte dos utilizadores online.
Quem entra irá pensar, no primeiro olhar, que está perante uma repetição de outras ferramentas como o Twitter. No entanto, o Tumblr é provavelmente, devido ao boom da Web Imediata e da crescente adesão de Smartphones, uma das ferramentas mais aproveitadas no mobile exactamente pela forma como os utilizadores o vieram a utilizar e a simplicidade que permite na sua utilização.
O Tumblr é bastante utilizado numa lógica temática. Isto vem de duas características da plataforma – por um lado encoraja/obriga à criação de um URL, de forma semelhante a um blog, o que coloca o utilizador numa posição completamente diferente daquela de criação de um perfil pessoal. Por outro lado, por se ter focado desde tão cedo na criação de uma plataforma mobile que permite a colocação rápida de conteúdo – seja ao nível de usabilidade das aplicações ou da própria simplicidade de processos – o Tumblr conseguiu atingir a franja de utilizadores que, estando já imersos no Imediatismo, agarraram nesta plataforma como uma forma de partilha multifacetada e adaptada às suas necessidades.
A lógica temática do Tumblr é um dos pontos mais fascinantes da plataforma – um factor que não é, per si, uma característica base da mesma mas sim uma consequência de como a própria utilização dos seus consumidores moldou e deu lugar a “mais uma” plataforma de partilha de conteúdo – seja este texto, vídeo ou fotografia. Deixo como exemplos alguns dos Tumblrs que sigo e que considero cases da forma como pode ser utilizado:
http://naohacu.tumblr.com/ – Seguindo sempre a lógica de “não há paciência para”, a escritora (portuguesa) deste Tumblr apenas completa a frase com questões que a irritam no dia-a-dia, surgindo questões hilariantes e com que muitos de nós nos identificamos. É um caso que funciona quase sempre sob a forma de texto;
http://homelessarecopywriters.tumblr.com/ – Como o título diz, este Tumblr é apenas preenchido por fotografias de sem abrigos cujas frases são inusitadas e originais;
http://storyofman.tumblr.com/ – Este Tumblr funciona só com links cujo principio é a utilização de títulos de notícias que comecem com “man” ou “women”;
http://garfieldminusgarfield.net/ – Provavelmente um dos meus favoritos, este Tumblr dedica-se a colocar tiras do Garfield sem o Garfield. Ou seja, retira a personagem de todo da história, deixando basicamente o Jon sozinho como um estudo à “angustia existencial” desta personagem menor do universo da banda desenhada;
http://clientsfromhell.net/ – Dedicado a situações que fornecedores passam com clientes mais complicadas e dignas de nota.
http://domonomnom.tumblr.com/ – Tendo o Domo como centro da história, este Tumblr é apenas actualizado no que a personagem está a comer e no texto que acompanha.
Eu poderia continuar com exemplos mas creio que está explicado o porquê do meu recente fascínio pela plataforma. A forma como os utilizadores a exploraram e o potencial que esta tem é uma possível mina para marcas que queiram entrar. O facto é que, devido ao seu crescimento rápido, en particular nos EUA, e de não ser, de todo, uma plataforma nova, já existem marcas que exploram o Tumblr de formas originais e interessantes. Será óbvio constatar que nem todas as marcas têm o conteúdo para entrar nesta plataforma – ou o budget, ou o tempo ou até a necessidade. Mas aqui vamos novamente entrar na velha questão – se continuamos a apostar apenas numa Rede Social que concentra todos os utilizadores (e concorrentes) de forma massificada, podemos estar a desperdiçar oportunidades únicas em redes que, com tempo, irão atingir um momentum relevante. Vejam o caso da Levi’s e do Instagram, por exemplo.
Com isto tudo não estou a dizer que as marcas devem entrar no Tumblr. Não acredito que a comunidade portuguesa no Tumblr tenha uma representação significativa e que a própria natureza da ferramenta encaixa na lógica de comunicação dos consumidores e das marcas em Portugal. Mas tal como em 2009 tudo indicava que o Twitter iria crescer, o meu instinto pessoal diz-me que o Tumblr ainda terá o seu momento na comunicação das marcas e na vida dos consumidores.
P.S.: Já tenho a minha própria experiência de Tumblr – http://previouslyonlife.tumblr.com/ – ainda em testes. Recomendo que experimentem e façam a vossa para conhecerem melhor a plataforma.
Geração HYPE
Sou um fã de Lady Gaga. Este inicio de artigo poderá ter um de dois efeitos – ou já fecharam a janela do browser e seguiram, ou então continuaram a ler. Indiferente da música ou da controvérsia que esta artista provoca, é inegável o facto de que ela é uma máquina de marketing única. Estive a ler um artigo sobre toda a acção de Marketing feita à volta do lançamento do novo disco da Lady Gaga, onde podemos ver todos os aspectos trabalhados para a construção do desejo dos consumidores. A verdade é que, quer queiramos, quer não, a Lady Gaga e o seu Born This Way estiveram connosco desde o ano passado, a anunciar a vinda de uma nova “obra-prima” de forma metódica, contínua e estudada. Isto tudo culminou com o lançamento do CD no Amazon ao preço de .99$, o que levo ao primeiro crash dos servidores da Amazon desde que o titã existe . Ao ver isto, só me atravessa a cabeça um pensamento – “Como é que todos caímos nisto?!”
A vida é baseada em rotina – acordamos, trabalhamos, vimos para casa e passamos tempo com a nossa família. Este é o standard de vida da maioria das pessoas actualmente. No entanto, há um factor oculto que não estamos a contemplar nesta equação – o aborrecimento. Isto torna-se evidente quando se aproxima a época dos Óscares – cada vez mais antecipada de ano para ano – ou o Natal ou grandes eventos desportivos. No meio de todos os eventos que compõem o ano as pessoas gravitam cada vez mais em redor de eventos que não são religiosos ou tradicionais, mas sim gerados por grandes marcas. Exemplos como o Super Bock Super Rock ou os MTV Video/Music/Music/Movie Awards são apenas os mais populares de determinados eventos que, surgindo inicialmente como manobras de marketing, são parte do nosso calendário, assumindo uma importância muitas vezes demasiado elevada. Como justificamos isto? Simplesmente com a palavra HYPE.
O hype tem um papel crucial na vida das pessoas. Sendo originalmente um mecanismo de marketing para promover algo de forma excessiva, o hype é, nos dia de hoje, uma necessidade básica dos consumidores. Isto dá origem a um problema sociológico porque, posto de forma simples, nós não vivemos satisfeitos com a nossa rotina. Estamos na constante demanda de algo que nos arranque das tarefas mundanas – da próxima grande novidade. É claro que este fenómeno não se aplica a todos – as audiências mais velhas, menos influenciadas pelos MTV Awards e afins, são muito mais focados em benefícios de produto, confiança na marca e o preço puro e cru. Mas esse público está a envelhecer, logo temos de pensar como iremos lidar com um público viciado em hype quando este chegar à idade do actual público mais ponderado.
Se não é grandioso, não atinge. Os consumidores vivem à espera de ser surpreendidos – mais, vivem à espera de algo que seja uma quebra à rotina. No calendário tradicional que abrange o Natal, a Páscoa, os meses de Verão e novamente o Natal, todos os pedaços vazios no meio são preenchidos por eventos de entretenimento que, sendo na sua grande maioria associado a marcas e produtos, servem para encher a vida com um sabor extra de novidade. Um bom paralelismo desta situação é aquela vista no filme “Closer”. Tendo como base as relações de quatro pessoas, o filme só relata os momentos chave das relações – o inicio, os momentos especiais, as discussões mais acesas e o terminar. Da mesma forma, a vida que levamos actualmente deixa apenas na memória momentos marcantes, ficando perdidos para a história todas as surpresas diárias que, faznedo parte da rotina, são uma das partes mais fundamentais das nossas relações interpessoais. Estamos todos a tornar-nos em Ampulhetas Humanas, à espera do próximo evento enquanto preenchemos o vazio com acções tão simples como trabalhar, comer, divertir, respirar, sobreviver.
As marcas estão a pagar por este fenómeno que incutiram nos consumidores, sendo que é cada vez mais difícil captar a sua atenção. Isto não é necessariamente mau, pois significa que o conteúdo não precisa de ser tão trabalhado – basta que a forma seja brilhante (denotar o meu profundo tom de ironia).O problema é notório para as marcas que simplesmente não estão orientadas para este tipo de marketing. Para estes existe também uma solução simples – apostar em benefícios de marca e produto de tal forma transparentes que são inegáveis. O “hype” poderá estar a cegar os consumidores – mas o excesso de informação e a incapacidade de filtragem da mensagens publicitárias, aliados à própria natureza de Web, está a levar a que as marcas tenham de procurar mecanismos fundamentados em recomendação peer-to-peer e brand connectivity – ou seja, quando alguns buscam deslumbrar, outros buscam relacionar. A pergunta que deixo é simples – quando acaba um e quando começa outro? No fim, todas as relações começam da mesma forma – um deslumbramento cego que, após a paixão inicial, se transforma ou numa amizade duradoura ou num terminar abrupto. Resta saber que marcas têm noção disto e trabalham nesse sentido, e que marcas simplesmente vivem para o flirt.
A Regra SSS para Aplicações
Muito tempo antes de eu me colocar nas andanças das Aplicações, dei por mim a pensar na fórmula correcta para a sua definição. Qualquer profissional na área (e até não-profissionais) está familiarizado com o conceito do KISS, que na sua versão original significa keep it short and simple. Serve simplesmente para indicar que tudo o que façamos deverá ser mantido a um determinado nível de simplicidade, uma vez que a complexidade apenas adiciona, na maioria dos casos, uma camada desnecessária à experiência. Esta sigla torna-se ainda mais relevante quando aplicada ao Marketing Digital – quanto mais complexa a experiência, maior a probabilidade de reduzirmos o tempo de permanência no nosso site. Mas longe de mim limitar a sites – isto aplica-se a banners, microsites, sites de marca e até interacções nas redes sociais.
Se trabalham na área, então não vos é estranho o seguinte pedido: “Quero entrar no/a [inserir nome de Rede Social aqui]”. Não são poucas as marcas que querem dar este passo e que passam às agências digitais a sua estratégia de marca. E já agora, 99% há-de estar à espera que seja para o Facebook (logo, perde-se a lógica das redeS sociais. A partir daqui é definir o caminho certo – criar uma página, dinamizar, aproveitar sinergias existentes, entre outras fórmulas já cada vez mais populares e com alguns modelos de interacção comprovados. No entanto, se está nos vossos planos a criação de uma interacção mais complexa, raspando os social games ou um tipo de ferramenta mais interactiva, então preparem-se para uma tarefa mais complexa do que parece. O principio KISS continua a ser muito válido nesta situação – mas eu tenho um modelo que me parece mais interessante para este cenário: a regra SSS.
SSS significa, de forma directa, “SIMPLE”, “SHARABLE”, “SCORABLE”. Eu anteriormente escrevi sobre esta regra noutro blog, mas na altura eu apenas tinha conceptualizado esta sigla com base em pressupostos. Após 1 ano de a ter pensado, eu descobri que passou a ser a minha grande máxima quando desenvolvo mecânicas de interacção que passem principalmente por aplicações – sejam móveis ou no Facebook.
O seu breakdown é relativamente intuitivo:
Simple – O KISS diz-nos para manter a simplicidade. Pois o SSS só reforça. O tempo que os utilizadores passam numa Rede Social ou num telemóvel é cada vez maior – mas cada vez mais fragmentado. Passando de jogo em jogo, ferramenta em ferramenta e de post em post, os utilizadores têm cada vez mais tendência em perder a sua atenção. Uma consequência clara do fenómeno de stresstetainment. A simplicidade é uma característica que pode ter várias interpretações – desde simplificar os processos dentro da aplicação até aos próprios critérios de exigência da evolução da mesma. Portanto, se querem que a vossa aplicação sobreviva, ela deverá ser muito bem pensada em termos do consumo de tempo necessário por parte do consumidor – desde o tempo para compreender o seu funcionamento ao tempo de envolvência esperado. Para além do tempo de interacção, é preciso ser pensado quanto tempo é que cada incursão no jogo deverá demorar – e quantas vezes pretendemos que o utilizador regresse. Um exemplo que considero interessante nesta matéria é o Mafia Wars. Tendo novos jogadores todos os dias, o Mafia Wars exige apenas um pouco de tempo por dia a cada jogador – mas faz os utilizadores regressarem de x em x horas para continuar com a sua missão.
Sharable – As Redes Sociais têm um princípio fundamental – partilha. Mas isto não é só por causa da própria natureza do meio. É também uma consequência da capacidade intuitiva que têm de disponibilizar as ferramentas certas na altura certa. Cumprir este requisito é tão simples como conhecer muito bem a Rede Social em questão, dominar o que esta permite à nossa aplicação fazer e como integrar a partilha na narrativa fluida da aplicação. Temos dois exemplos claros de como isto pode ser feito – por um lado, a partilha pela troca natural de géneros (neste caso ingredientes) no Restaurant City ou a partilha massificada para aumentar a experiência in-game do Farmville.
Scorable – Este é o termo mais difícil de explicar, mas possivelmente o mais interessante. Para obter o regresso dos utilizadores, as Aplicações podem conter uma componente de competição de forma directa ou indirecta (por exemplo, um sistema de pontuações ou níveis que desafiam o utilizador a melhorar num jogo). Isto porque uma competição pode servir dois propósitos – pode servir de mecanismo de retenção através do destrancar faseado de funcionalidades no jogo; ou melhor ainda, pode servir para aguçar o espírito competitivo das redes pessoais de cada utilizador através do posting de pontuações e achievements no seu mural.
A regra do SSS não é 100% perfeita, mas é um bom ponto de partida para quando se conceptualiza uma campanha. Mas atenção – nem sempre é necessário atingir os três critérios para se ter uma aplicação sólida. Por exemplo, a nossa estratégia pode apontar apenas para SIMPLE+SHARABLE, sendo a competição um elemento desnecessário (por exemplo, o Instagram) ou SHARABLE+SCORABLE, sendo a simplicidade trocada por uma interacção mais exigente (por exemplo, o Frontierville). No entanto, colocado este triangulo no primeiro momento de concepção de uma aplicação e perceber onde ela se posiciona é um ponto de partida que ajuda a avaliar a possível eficácia da mesma.
Antologia – Representação Feminina nos Videojogos
Eu venho, como a maioria dos portugueses, de uma família matriarcal. Isto basicamente significa que quem manda lá em casa são as mulheres – são o bastião da moral, dos costumes, da organização financeira, de todos os pilares básicos que mantêm a família sólida e contínua. Por isso, é mais que natural que tenha um apreço elevado pelo género. Sempre considerei as mulheres iguais, e até muitas vezes superiores em áreas específicas.
Entrando já numa lógica de negócio e marketing, o facto é que o target feminino é cada vez mais interessante para as marcas. Mais do que por deter o poder de compra, as mulheres são determinantes no processo de decisão de compra. Seja pela sua independência, o background da luta contra a descriminação do género, ou até todas as anteriores, as mulheres actualmente moldam a sociedade e as marcas estão a reagir a isto. O que estou a dizer não é novidade – e longe de mim querer entrar em grandes análises de estudo de mercado sobre o women power e o que isso representa para os mercados. No entanto, quero focar em algo mais estrutural desta mudança de paradigma – o facto do universo simbólico das gerações vindouras estar a ser inegavelmente alterado quando comparado com os dos nossos pais e até dos nossos. E para o provar, vou agarrar no tópico menos provável – os videojogos.
Porquê os videojogos? Porque são um ambiente historicamente dominado pelos homens. Não estou a mencionar isto numa lógica de produção e desenvolvimento dos mesmos, mas sim de questões como a história e o desenvolvimento das personagens propriamente ditas. Os videojogos, de inicio, assumiam uma estrutura clássica de contos de fadas quando consideravam as relações e importâncias das personagens – o storytelling era baseado no herói que salvava a princesa ao destruir um vilão, recebendo de volta um beijo que justificava todas as peripécias. Apesar de isto ser uma estrutura básica e pertencente ao universo simbólico da nossa infância, o facto é que isto é um claro caso de descriminação aos olhos da sociedade actual, especialmente quando constamos que não são casos isolados mas sim uma estrutura narrativa universalmente aceita. Se há dúvidas quanto a isto, pensem se alguma vez tentaram ir “para além do bem e do mal” e questionaram a inocência dos contos de fadas enquanto um reflexo de papeis e deveres societárias? Apesar de me arriscar a soar como um feminista, faço a ressalva que acredito na igualdade de géneros – no entanto, o Homem teve a capacidade de mostrar as suas forças ao longo da História, enquanto que só algumas mulheres tiveram esse tempo de antena, algo que verificamos que claramente já mudou na sociedade. Essa mudança veio também graças aos videojogos.
Os videojogos são uma das primeiras instituições que moldam a mentalidade dos jovens – o conto de fadas moderno. É claro que não são poucas as vozes que criticam a violência nos videojogos ou até se as temáticas tratadas serão as correctas naquela fase de desenvolvimento dos mesmos. Mas temos sempre que considerar que, até após este tempo todo, os videojogos ainda sofrem do estigma do “medo dos novos media”, um conceito descrito por Andrew Burn aquando a análise da recepção aos livros de banda desenhada nos anos 50. Os videojogos são cada vez mais um veículo cultural que descreve a sociedade actual – tal como as séries e os filmes. No entanto, conseguem fazê-lo de uma forma mais complexa pois requer uma interacção e envolvimento completamente diferente.
Voltando ao tema do artigo, a percepção das mulheres teve um revés com os videojogos. É discutível se é causa ou consequência de uma evolução, mas eu acredito que é um pouco dos dois. O papel das mulheres nos jogos foi dos mais típicos como a “Barbie”, desempenhada pela Princesa Zelda no primeiro “Donkey Kong”; a “Lucy” no “The Sims Life Stories”; e mais recentemente – o que realmente fez a diferença – a “Xena”, representado na sua essência pela Lara Croft. É claro que a primeira reacção será que a Lara Croft teve o destaque que teve pelo corpo. Se for esse o caso, então entraríamos numa discussão muito semelhante à do caso Abercrombie & Fitch. As mulheres devem ser bonitas nos videojogos à semelhança dos homens – quem joga não se quer identificar com personagens entendidas como “feias”. Mas não querendo aprofundar esse ponto, a Lara Croft foi a primeira personagem feminina que, de forma mediaticamente relevante, representou um papel tipicamente masculino nos videojogos. Antes dela só houve uma personagem que cumpriu o mesmo propósito mas de forma muito mais ausente nos media – a Samus Aran no jogo “Metroid”. Mas estando a própria Samus coberta de armadura o jogo inteiro, isto só é notório na última cena do jogo.
Após o surgir da “Xena” seguiram os papeis mais variados. Desde curandeiras a arqueiras a assassinas de zombies, as personagens femininas começaram a ter cada vez mais relevância no storytelling dos jogos. Com essa relevância veio uma caracterização do próprio género que enaltece o papel da mulher enquanto a heroína – um novo patamar na percepção das crianças do papel da Mulher no seu universo simbólico. As mulheres já não são apenas as princesas dos contos de fadas – são companheiras dos homens a salvar o Mundo e, muitas vezes, estão até sozinhas nessa tarefa épica. Exemplos como o Final Fantasy X-2 ou o Final Fantasy XIII mostram como as mulheres conseguem, mantendo o seu DNA e sem necessidade de masculinização, ser modelos a seguir tantos para mulheres como também para homens.
Poderia estar aqui a descrever vários exemplos diferentes, mas a grande conclusão é que as crianças estão agora a percepcionar as mulheres como heroínas numa fase crucial do seu crescimento. Isto é valioso para o futuro do género – onde antes havia um “esforço” em integrar as mulheres em posições tácticas de poder por uma questão estratégica da empresa, agora existe uma clara valorização das mesmas e a prova de pertença nesses lugares. É claro que existem jogos que desvalorizam as Mulheres – mas também existem jogos que desvalorizam os Homens.
Cada vez menos, a percepção da mulher enquanto Mãe>Irmã>Inimigo>Objecto de Desejo>Esposa>Mãe dos Filhos>Avó>Enfermeira irá dissipar. O facto de sugir, antes do Inimigo, a posição de Heroína muda todos os passos seguintes. Como ainda não sei – mas posso dizer que estou antecipadamente orgulhoso dos meus filhos pelo respeito igual com que irão tratar as Mulheres. E um dia, ficarei satisfeito por alguém ler este artigo e pensar “que antiquado”.